O Plano Diretor no contexto do Estatuto da Cidade e do Estatuto da Metrópole

A Constituição Federal de 1988 reforçou as competências municipais e, conseqüentemente, o papel do Plano Diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana e como orientador da função social da propriedade urbana.

O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), veio em um momento em que as cidades clamavam por respostas urbanísticas que o ordenamento jurídico, até então em vigor, não conseguia oferecer e este diploma legal, por sua vez, consagrou em seu bojo vários institutos que possibilitam a gestão ordenada e democrática da cidade, também, elegendo, em seu artigo 40, o Plano Diretor como ferramenta-mestra do sistema de planejamento e desenvolvimento urbano e rural.

Seu processo de elaboração, implementação, execução e revisão deve ser participativo, ou seja, envolver toda a sociedade na construção coletiva dos destinos da cidade.

Deve ser elaborado a partir de uma leitura da cidade real, envolvendo temas e questões relativas aos aspectos urbanos, sociais, econômicos e ambientais. Além disso, define diretrizes que direcionam a execução de planos e projetos para o atendimento dos objetivos nele estabelecidos.

O Estatuto introduz, ainda, como um dos instrumentos da política urbana, a gestão orçamentária participativa, fundamentada nos princípios constitucionais da participação popular e da democracia, possibilitando ao cidadão a participação na elaboração e execução dos orçamentos. O Plano Diretor deverá, então, à luz do Estatuto da Cidade, ter suas diretrizes contidas nos orçamentos públicos - Plano Plurianual, Diretrizes Orçamentárias e Orçamento Anual do Município.

O Estatuto da Cidade possibilita também a utilização de vários instrumentos, a saber:

  • Parcelamento, edificação ou utilização compulsórios

A ferramenta tem por objetivo coibir o mau uso da propriedade urbana, ou seja, de fazer com que o proprietário de um imóvel, não edificado, subutilizado ou não utilizado promova sua utilização, para que dê adequado aproveitamento do seu imóvel, procedendo, conforme o caso, sua ocupação, edificação ou parcelamento, de acordo com os princípios constitucionais que norteiam o direito de propriedade, previstos nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal e no artigo 2º do Estatuto da Cidade.

  • Imposto predial e territorial progressivo no tempo

É um instrumento que permite ao Governo Municipal aumentar, progressivamente, o valor da alíquota do IPTU de um imóvel, caso o proprietário não lhe dê a devida utilização. Sua aplicação ocorrerá mediante elevação da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos, tendo como limite máximo 15% (quinze por cento) do valor venal do imóvel.
Quando da aplicação progressiva deste imposto, através do tempo, poderá ocorrer a desapropriação da propriedade pouco ou não utilizada.

  • Desapropriação com pagamento em títulos

A desapropriação para a implementação da política urbana somente se dará no caso da ineficácia das penalidades anteriormente citadas.
O Município procederá ao adequado aproveitamento do imóvel no prazo máximo de cinco  anos, contado a partir da sua incorporação ao patrimônio público, sendo que o aproveitamento do imóvel poderá ser efetivado diretamente pelo Poder Público ou por meio de alienação ou concessão a terceiros, observando-se, nesses casos, o devido procedimento licitatório.

  • Usucapião especial de imóvel urbano

Para aquele que possuir como sua uma área ou uma edificação urbana de até 250 m², por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

  • Direito de Superfície

Este instrumento urbanístico possibilita que o proprietário de terreno urbano conceda, a outro particular, o direito de utilizar o solo, subsolo, ou o espaço aéreo de seu terreno, em termo estabelecidos em contrato, por tempo determinado ou indeterminado.

  • Direito de preempção

O direito de preempção confere ao Poder Público municipal preferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares, em prazo não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.
Não serão todas e quaisquer alienações que ensejarão o direito de preempção ao Poder Público Municipal, mas tão somente as estipuladas por lei.
Tal instituto prevê, ainda, que o proprietário interessado em alienar imóvel situado em área que incida o direito de preempção deverá notificar o Município para que, no prazo de trinta dias, demonstre seu interesse em comprá-lo.

  • Outorga onerosa do direito de construir

Este mecanismo permite que o direito de construir possa ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida. Assim, a Administração Pública poderá autorizar uma determinada construção que ultrapasse os coeficientes de aproveitamento permitidos, condicionada à retribuição pecuniária pelo beneficiário.

  • Operação urbana consorciada

Consiste no conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público Municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma determinada área, transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental.
Para a viabilidade da operação urbana, há a possibilidade de serem previstas a modificação de índices e normas para edificação, com a emissão pelo município de certificados de potencial adicional de construção, a serem alienados em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação urbana.

  • Transferência do direito de construir

Permite autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local, ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir, quando o referido imóvel for considerado necessário para fins de implantação de equipamentos urbanos e comunitários, de preservação, de interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultural ou servir a programas de regularização fundiária.

  • Estudo de Impacto de Vizinhança - EIV

Possibilita definir os empreendimentos e atividades privados ou públicos em área urbana que dependerão de elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança - EIV para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público Municipal.
O EIV será executado de forma a contemplar a análise dos efeitos positivos e negativos do empreendimento ou atividade na qualidade de vida da população residente na área e em suas proximidades.

  • Consórcio Imobiliário

É a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio do qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente urbanizadas ou edificadas.

  • Concessão de uso especial para fins de moradia (MP 2.220/01)

Constante originariamente do Estatuto da Cidade, quando na tramitação no Poder Legislativo, obteve veto da Presidência da República, mas mereceu posterior regulamentação por meio da Medida Provisória n° 2.220/01.
O presente instrumento assemelha-se ao do usucapião, com a diferença que refere-se apenas a imóveis públicos, viabilizando a disposição (concessão) de um bem público a um particular, sem que importe a perda da propriedade.

  • Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS

São aéreas destinadas primordialmente à produção e manutenção da habitação de interesse social. Visam incorporar os espaços urbanos da cidade clandestina - favelas, assentamentos populares, loteamentos irregulares - à cidade legal.
As ZEIS deverão ser mapeadas no Plano Diretor de acordo com as necessidades de cada região do município.

  • Contribuição de melhoria

É um instrumento tributário que permite ao Município recuperar, ao menos parcialmente, os recursos aplicados em obras públicas que tenha gerado valorização imobiliária. Sua incidência ocorre em cada imóvel beneficiado, na medida do acréscimo do seu valor venal.

É importante apontar que o Estatuto, atendendo ao princípio constitucional da participação popular, prevê que o Plano Diretor deverá definir os instrumentos de gestão democrática para implementar e acompanhar sua aplicação, podendo ser utilizados, dentre outros, os órgãos colegiados de política urbana (“Conselho da Cidade”), as conferências sobre assuntos de interesse urbano (“Conferência da Cidade”), debates, audiências e consultas públicas e a iniciativa popular de projetos de lei.

A partir da aprovação do Estatuto da Metrópole (Lei nº 13.089/15) foram estabelecidas diretrizes gerais para planejamento, gestão e execução das funções públicas de interesse comum  em regiões metropolitanas e aglomerações urbanas instituídas pelo Estado. Também estabeleceu normas gerais sobre o planos de desenvolvimento urbanos integrados e outros instrumentos de governança interfederativa.

O Estatuto da Metrópole acrescenta os seguintes instrumentos aos já previstos no Estatuto da Cidade:

  • Plano de desenvolvimento urbano integrado
  • Planos setoriais interfederativos
  • Fundos públicos
  • Operações urbanas consorciadas interfederativa
  • Zonas para aplicação compartilhada dos instrumentos urbanísticos
  • Consórcios públicos
  • Convênios de cooperação
  • Contratos de gestão
  • Compensação por serviços ambientais
  • Parcerias público-privadas interfederativas

A obrigatoriedade de elaboração do plano de desenvolvimento urbano integrado das regiões metropolitanas não exime os municípios da formulação dos seus respectivos Planos Diretores, os quais deverão estar compatibilizados. A elaboração e aprovação do plano integrado se dará no âmbito da governança interfederativa e posteriormente, instituído por Lei Estadual.